segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Liberdade - Do livro O Profeta, de Khalil Gibran

E um orador disse:

- Fala-nos da Liberdade.

E ele respondeu:


- Às portas da cidade,
e nos vossos lares,
dei convosco prostrados
em adoração
da vossa própria liberdade,


Como escravos que se humilham
diante dum tirano
e que o glorificam
enquanto ele os destrói.


Sim, no bosque do templo
e na sombra da cidadela
vi os mais livres que vós
usarem a sua liberdade
como jugo e como algemas.


Meu coração sangrou dentro de mim;
pois não sabereis ser livres
senão quando o próprio desejo
de chegar à liberdade
se tornar para vós um arnês
e quando deixardes de falar da liberdade
como de um fim e de uma conclusão.


Sereis livres de fato
não quando os vossos dias
decorrerem sem cuidados
e as vossas noites sem desejos
e sem fadigas,
mas antes quando todas essas coisas
cercarem a vossa vida
e vos elevardes acima delas,
nus e libertos.


Mas como podereis estar acima
de vossos dias e de vossas noites,
se não quebrardes as cadeias
que na alvorada do vosso uso da razão
fizestes pesar
sobre a vossa hora do meio dia?
De fato, o que chamais liberdade
é a mais forte dessas cadeias,
ainda que os seus anéis
vos deslumbrem brilhando ao sol.
E tudo o que quereis afastar
para ficardes livres,
que é, senão fragmentos de vós mesmos?


Se é uma lei injusta que quereis abolir,
tal lei foi escrita pela vossa mão
na própria testa.
Não podereis apagá-la
queimando os vossos livros de leis
nem lavando as frontes dos vossos juízes,
ainda que entorneis todo o mar
em cima deles.


E se é um tirano
quem quereis destronar,
vede, antes de tudo, se o trono dele em vós
está bem destruído.
Porque, como pode um déspota
dominar os livres e altivos,
se não houver tirania
na liberdade desses
e vergonha na sua própria altivez?


E se é a inquietação que quereis expulsar,
tal inquietação foi escolhida por vós
e não tanto imposta de fora.


E se quereis dissipar o medo,
a sede desse medo é o vosso coração
e não a mão que vos assusta.


De fato, todas as coisas se movem
no mais íntimo do vosso ser,
num constante semi-abraço,
tanto as desejadas quanto as temidas,
as repugnantes e as tentadoras,
aquelas que buscais
como aquelas de que fugis.


Tais coisas movem-se dentro de vós
como luzes e sombras,
em pares estreitamente unidos.
E quando a sombra
se debilita e desaparece,
a luz que resta
torna-se sombra de uma nova luz.


E assim a vossa liberdade,
desembaraçada de estorvos,
torna-se ela própria embaraço
de uma liberdade maior.

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